“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.” (Jo 1.14).
A encarnação
de Cristo é a suprema revelação da glória de Deus, trazendo verdade, graça e
redenção ao mundo. […] João escreveu: “E o Verbo se fez carne e habitou entre
nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do
unigênito do Pai” (Jo 1.14). O tabernáculo, que João compara à pessoa encarnada
de Cristo, foi chamado de tenda de encontro porque era lá que as pessoas
encontravam com Deus e viam a sua glória shekinah, a luz radiante da majestade
de Deus. Da mesma maneira vemos a glória radiante de Deus na encarnação de
Cristo.
Antes da
encarnação Cristo, Deus já tinha, é claro, se revelado para a humanidade. Em
Hebreus 1.1, lemos que Deus “outrora, tinha falado, muitas vezes e de muitas
maneiras, aos pais, pelos profetas”. De todas as maneiras diferentes Deus já
tinha se revelado a Israel antes da vinda de Jesus. Mas, com a vinda de seu
Filho, Deus nos deu a revelação mais verdadeira e mais eficaz de si mesmo. Em
Hebreus, temos ainda: “nestes últimos dias, nos falou pelo Filho” (Hb 1.2). O
Cristo encarnado é o resplendor de sua glória, e a imagem expressa de sua
pessoa (Hb 1.3). João Calvino comparou a revelação de Deus antes de Cristo a um
rascunho a lápis. Esse desenho vai nos permitir reconhecer uma pessoa. Agora,
com a encarnação de Cristo, no entanto, Deus nos deu uma revelação em cores
vivas. Em Cristo, podemos, realmente, conhecer Deus pessoalmente.
João faz a
comparação entre a revelação anterior e a revelação viva de Deus em Cristo no
final de seu prólogo: “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no
seio do Pai, é quem o revelou” (Jo 1.18). A encarnação de Cristo trouxe a
revelação viva e acessível de Deus que homens e mulheres tanto aguardavam. Por
todo o Antigo Testamento, homens e mulheres de Deus aguardaram o conhecimento
íntimo de Deus. Mas Deus não podia ser visto, pois ele habitava, segundo
Salomão, “em trevas espessas” (1Rs 8.12). Elias só ouviu uma voz fraca. Abraão
lidou com anjos e viu Deus como um pote de fumaça e fogo. Moisés teve os
contatos mais íntimos com Deus, diante da sarça ardente e com a luz divina
brilhando em seu rosto. Mesmo assim, o que ele mais desejava era ver, ele
mesmo, a Deus. “Rogo-te que me mostres a tua glória”, Moisés pediu. Mas Deus
disse: “Não me poderás ver a face, porquanto homem nenhum verá a minha face e
viverá” (Êx 33.18-20).
A encarnação
de Cristo veio a ser a revelação perfeita de Deus que os homens podiam receber.
João o descreve como “o Deus unigênito, que está no seio do Pai” (Jo 1.18). É
por isso que Jesus é maior do que João Batista ou Moisés, sem mencionar Maomé ou
o Papa. Jesus é, ele mesmo, o próprio Deus, um da divina Trindade. Está em
íntima comunhão de amor com o Deus Pai. Cristo, portanto, é aquele que pode
realmente nos mostrar Deus.
Isso significa
que Jesus é o único salvador de todos que esperam conhecer a Deus. A palavra em
grego traduzida por “revelada” (exe-gesato) é exegese, uma palavra utilizada
por acadêmicos para a interpretação da Bíblia. Interpretamos as Escrituras para
apresentar um relato completo de seu significado. É isso que Jesus faz: ele
interpreta, explica e expõe Deus para nós. Jesus deu uma revelação completa de
Deus no que ensinou e no que fez. Para saber como Deus é e o que ele pretende
para o mundo, só precisamos estudar Jesus. É isso que mais precisamos e o que
devemos buscar de maneira mais fervorosa: conhecer a Deus por meio de Jesus
Cristo.
João
caracteriza a revelação de Deus por Cristo em dois termos específicos: “cheio
de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai”
(Jo 1.14). Considerando a primeira afirmação, Jesus nos revela Deus em verdade.
Isso quer dizer não só que Jesus é como Deus em sua revelação, mas também que o
Deus que conhecemos há tanto tempo é como Cristo em todas as coisas. Se quiser
conhecer tudo que Deus é – como são seus modos, seu caráter, sua atitude e seu
coração – tem de olhar o retrato do Filho encarnado de Deus na Bíblia. Por
causa de nosso afastamento de Deus em pecado e por causa de nossa tendência
idólatra de erigir falsas imagens de Deus, nossa raça tinha perdido contato com
o nosso Criador. Mas Jesus veio ao mundo e sua postura, seu tom de voz, sua
atitude e sua reação aos acontecimentos eram iguais aos de Deus. Ver Jesus,
compreender sua mente e seu coração, seu caráter e seus hábitos é compreender a
Deus. Deus é sempre e somente como Cristo. De modo que quanto mais conhecemos a
Cristo, mais conhecemos a Deus. O próprio Jesus afirmou: “Quem me vê a mim vê o
Pai” (Jo 14.9). Essa revelação de Deus é o motor de nossa fé, pois compreender
Deus em Cristo é confiar nele e adorá-lo.
Uma passagem
que mostra de modo maravilhoso a importância de ver a verdade sobre Deus em
Cristo está em Lucas 7. Jesus estava fazendo uma refeição na casa de um fariseu
quando uma pecadora entrou e começou a perfumá-lo e ungir-lhe os pés,
lavando-os com as suas próprias lágrimas, e enxugando-os com seus cabelos.
Estávamos lendo essa passagem em nossas devoções domésticas recentemente, e
perguntei a meus filhos se eles sentiam desconforto com esse comportamento;
eles admitiram que achavam meio bizarro do ponto de vista social. Eu destaquei
que a mulher tinha visto que o Jesus encarnado era Deus em carne e revelação de
Deus. A mulher é que estava agindo apropriadamente ao se prostrar em adoração,
e não o fariseu que tentava tratar Jesus como um igual. Ao ver a verdade de
Deus em Jesus, essa mulher, que tinha passado a vida sofrendo maus-tratos e
abusos dos homens, ficou totalmente à vontade para abrir o seu coração na
presença de Cristo. Por causa da verdade que ela viu revelada em Jesus, ela
pôde confiar em Deus, apesar das experiências difíceis que tinha tido na vida.
Do mesmo modo, aprenderemos a confiar em Deus, a nos aproximar dele, e abrir o
nosso coração em adoração se virmos Deus revelado em seu filho encarnado Jesus,
pois Deus é como Cristo e, por isso, podemos confiar nele.
Além disso,
João disse, Jesus também revelou a graça de Deus: “cheio de graça e de
verdade”. Descrevi algumas maneiras pelas quais podemos entender o Tabernáculo.
João o vê como o modelo do Antigo Testamento para a gloriosa encarnação de
Cristo. O tabernáculo representa a presença de Deus entre seu povo, comparação
favorável à humildade terrena de Cristo, e era o lugar em que Israel se
encontrava com Deus e via a sua glória. Mas há mais uma coisa vital a ser
conhecida sobre o tabernáculo de Israel: era o lugar onde eram feitos sacrifícios
para expiação dos pecados. O tabernáculo revelava o ódio santo de Deus por todo
pecado, pois lá só se expiava o pecado por meio de sacrifício de sangue. O
tabernáculo também revelava a graça maravilhosa de Deus de aceitar um
sacrifício de morte em nosso lugar. Os sacrifícios de animais do tabernáculo de
Israel apontavam adiante para Jesus Cristo, cuja cruz é o verdadeiro
tabernáculo, revelando a graça de Deus para os pecadores por meio de sua morte
por nossos pecados.
A mulher
pecadora de Lucas 7, que molhou os pés de Jesus com lágrimas e os enxugou com
seus cabelos, vendo a verdade de Deus em Cristo, confiou em Jesus o bastante
para abrir seu coração e se aproximar da maneira mais vulnerável. Mas Jesus diz
que ela também foi atraída para a graça de Deus que viu revelada nele. Ele
explicou ao fariseu e aos outros convidados: “Vês esta mulher? Entrei em tua
casa, e não me deste água para os pés; esta, porém, regou os meus pés com
lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Não me deste ósculo; ela, entretanto,
desde que entrei não cessa de me beijar os pés. Não me ungiste a cabeça com
óleo, mas esta, com bálsamo, ungiu os meus pés. Por isso, te digo: perdoados
lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco
se perdoa, pouco ama” (Lc 7.44-47).
Se ver a
verdade divina revelada em Jesus é a chave para confiar em Deus, ver a graça
divina da cruz de Jesus é a chave para amar a Deus. João disse, em sua primeira
epístola: “Nós amamos porque ele nos amou primeiro” (1Jo 4.19). Como Deus nos
amou? “Nisto se manifestou o amor de Deus em nós: em haver Deus enviado o seu
filho unigênito ao mundo, para vivermos por meio dele. Nisto consiste o amor:
não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu
Filho como propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 4.9-10).
Jesus revelou
mais plenamente a graça de Deus na cruz, fato que nos lembra que Jesus se
encarnou para morrer por nossos pecados. A encarnação de Cristo encontra sua
glória na expiação. Jesus nasceu homem para morrer pelos homens. É por isso que
qualquer ideia de um “ministério da encarnação”, no qual as boas obras tomam o
lugar da pregação da cruz de Cristo, é um equívoco completo. É errado dizer que
temos de pregar sobre Cristo constantemente, e só utilizar outras palavras
quando necessário. Temos de pregar Cristo por meio de palavras que apontem para
a cruz, onde a graça e a verdade de Deus são exibidas para conquistar a fé e o
amor dos pecadores. A única maneira de vermos a glória de Deus é proclamar
incessantemente a pessoa e a obra de Cristo para a salvação dos pecadores.
Essa é uma
razão pela qual devemos pregar o trabalho expiatório de Cristo em toda sua
plenitude. Ensinar que Cristo morreu para que todos pudessem ter a
possibilidade de salvação não glorifica a graça de Deus. Mas glorifica, sim, a
graça de Deus ensinar a verdade do evangelho de que Cristo morreu para expiar
com efeito a culpa de seu povo, para libertá-lo de seus pecados e para
redimi-lo para a vida eterna. A glória de Cristo é maior do que a de Sócrates,
que morreu por um princípio. A glória de Cristo é maior do que a de Nathan
Hale, o patriota americano da época da colônia que perdeu sua vida pela grande
causa da liberdade, lamentando apenas que “só tinha uma vida para dar por seu
país”. A glória de Cristo é maior do que qualquer uma dessas. Ele morreu não
por um princípio ou por uma causa, mas, ao revelar a graça de Deus, Cristo
sofreu a morte por nós. Ele morreu, cada cristão pode dizer, “por mim”. Ver
esse tipo de glória revelada na vitória de Cristo sobre a cruz muda a nossa
atitude para com ele de admiração para uma de adoração.
O filme “O
resgate do soldado Ryan” é sobre uma operação de resgate imediatamente após a
invasão aliada da Normandia, em junho de 1944. O Departamento da Guerra ficou
sabendo que três de quatro rapazes de uma família chamada Ryan tinham morrido
em batalha no mesmo dia. O general chefe do exército ordenou que o quarto filho
fosse resgatado de trás das linhas alemãs, onde desceram de paraquedas no Dia
D. Um pelotão de elite foi designado para encontrar o soldado Ryan. Sua busca
levou a uma ponte onde blindados alemães estavam tentando romper as linhas
aliadas, e lá o pelotão foi destruído assim que alcançou seu objetivo. Quando o
capitão que salvou o soldado Ryan estava morrendo caído na ponte, cercado pelos
corpos dos homens de seu pelotão, ele disse: “Faça valer a pena. Mereça”. O
filme termina com Ryan, agora um homem idoso, retornando ao cemitério onde
estavam enterrados os homens que morreram por ele. De joelhos no túmulo do
capitão Miller, ele disse para a cruz de gesso branco: “Todos os dias, pensei
sobre o que me disse aquele dia na ponte. Tentei viver minha vida da melhor
maneira que pude. Espero que tenha sido suficiente. Espero que, ao menos aos
seus olhos, eu tenha feito valer a pena, que eu tenha merecido o que todos
vocês fizeram por mim”. Virando-se para a sua esposa, que veio a seu lado, ele
balbuciou: “Diga que levei uma vida boa. Diga que eu sou um bom homem”.
Louvamos a
Deus por não ter de merecer o que Cristo fez por nós, porque jamais
conseguiríamos. Recebemos sua morte não como aqueles que levaram uma vida boa,
mas como pecadores que confiam em seu sangue para nossa salvação. Mas, como o
soldado Ryan, ao olhar para a cruz de gesso branco no túmulo de seu salvador
terreno, olhamos para a cruz de madeira de nosso divino salvador encarnado, e o
adoramos não como alguém que simplesmente morreu por um princípio ou por uma
causa, mas como alguém que morreu por nós. Dizemos, com fé: “ele morreu por
mim”. Ao ver isso, damos glória pelo modo em que vivemos. Não vivemos para nos
provar ou meramente por um princípio ou mesmo por uma grande causa. Vivemos por
uma Pessoa a quem damos glória e em quem vemos a graça e a verdade de Deus
revelada em seu Filho Jesus: “Vivo por ele, porque ele morreu por mim”.
Texto de
Richard D. Phillips, extraído do livro A Beleza e Glória de Cristo, organizado
por Joel R. Beeke, Editora Cultura Cristã.